Crônica: Acredite, às vezes vale a pena ouvir a conversa alheia
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----- Galera, eu sou terrível com títulos, ignorem ------
-------- Esse texto é baseado 97% em fatos reais, e eu fiquei felizinha com essa história, espero que vocês fiquem felizinhos também ------
Minha mochila enganchou na
catraca, como sempre, e as pessoas observaram meu esforço para sair dali com
seus rostos vazios. Caminhei entre as fileiras onde os passageiros sentavam
próximos ao corredor, para evitar qualquer possibilidade de alguém resolver
ocupar o assento ao seu lado. Eu era do clube dos que preferiam a solidão. Era
uma viagem de meia hora até em casa, assistindo sempre as mesmas ruas passarem
pela janela, deixando a mente vagar como se aquele ônibus estivesse me levando para
um lugar bem mais distante. Preferia fazer isso sem uma companhia estranha.
Eu não sorria. Eu não olhava
ninguém nos olhos. Eu ignorava as pichações nos bancos e desprezava o grupinho
que fazia barulho duas fileiras a minha frente. Era um bando de jovens
mal-educados que davam gargalhadas altas e contavam histórias nas quais nenhum
dos outros passageiros estavam interessados. Estava quente. Era desconfortável
passar tanto tempo no balanço de um veículo velho rodeada de caras cansadas. E
eu fazia aquela viagem monótona todos os dias. Todo santo dia.
Sentaram-se atrás de mim, então,
uma senhora e uma garotinha, ambas de pele escura e cabelos anelados, e com
muita vontade de conversar. Vontade até demais. Eu só queria fazer meu percurso
em paz, em silêncio. Mas aquela garotinha e sua mãe insistiam em estragar meus
planos. Elas achavam graça do balanço do ônibus, fingiam que as ladeiras eram
descidas de uma montanha-russa incrivelmente emocionante. Faziam planos para o
fim de semana, tentando descobrir quais pontos da cidade seriam mais
interessantes, e eu até senti vontade de me virar e conversar com elas sobre
bons passeios para se fazer. Afinal, era a minha cidade. Eu a conhecia tão bem que
já tinha até perdido a graça.
De repente, a dupla se mudou para
o outro lado, e eu me peguei tentando continuar escutando a conversa. Elas se
impressionavam com cada detalhe da paisagem monótona, prestando atenção a
minúcias que eu mesma jamais tinha me dado o trabalho de notar. Até ri quando a
mãe parabenizou um rapaz na cadeira de trás pela estação de transferência
modelo por onde nós passamos. "Não temos uma parada dessas lá em Brasília,
sabe", e eu pensei "bom, não seja por isso, essa é a nossa
única".
Elas olhavam com fascínio para
tudo que as cercava, enquanto eu só conseguia olhar cheia de tédio. É claro que
eram turistas, estavam descobrindo um novo lugar, que por sinal, eu conhecia
muito bem. Porém, eu senti que seria bom me deixar contagiar por aquele
fascínio. Permitir-me ficar surpresa com o cotidiano. Descobrir que aqueles
trinta minutos de viagem não eram tão intermináveis assim, e que ainda era
possível esboçar um sorriso com as histórias alheias.
Olhei em volta, tentando
desvendar os tais rostos vazios. Havia um garoto com fones, balançando a cabeça
ao ritmo da música e com o olhar perdido em algum lugar pela janela. O que será
que ele estava pensando? Eu nunca iria saber. Uma moça usando vestido florido
passou pelo corredor, e um senhor detestável ficou olhando suas pernas enquanto
ela estava de costas. Ele estava de pé, desejei que o motorista freasse de
repente. Realmente não me arrependo daquele pensamento. E o grupinho de amigos
já não parecia mais tão irritante. Eram estudantes de cursinho, supostamente
esperavam passar em um grande exame dali a alguns meses. Torci para que desse
tudo certo.
Então minha mente me levou para
outros momentos. Lembrei de quando percebi os grafites nas paredes dos prédios
que estavam no percurso. Eram realmente interessantes, mas, depois de um tempo,
se perderam no cotidiano. Lembrei do casal que conversava sobre livrarias, e de
como eu queria ter entrado na conversa ou passado mais tempo perto deles,
porque definitivamente pareciam pessoas legais. Lembrei também do rapaz
simpático que sentou ao meu lado certa vez, cujo o ombro se chocava no meu, que
leu durante todo o caminho e que tinha um sorriso encantador. Era a minha
lembrança favorita.
Eu tinha todas aquelas histórias.
Eu tinha a minha história. Todos ao meu redor tinham suas próprias aventuras. E
eu ainda ousava acusá-los de vazios. Eu ainda ignorava o mundo lá fora. Sem dar
importância aos grafites nos muros, aos casais que se sentavam abraçados no
alto do morro para observar o movimento dos carros, as flores que cresciam
tímidas nos canteiros na tentativa de levar alguma vida àquelas ruas cinzentas.
Era quase injusto não sentir
fascínio por aquele mundo tão vasto, por vidas tão singulares.
Não sei para onde foram mãe e
filha, mas eu desci na minha parada levando o espírito das duas comigo. Estava
atrasada para um compromisso, entretanto, fiz questão de caminhar sem pressa.
Dei boa tarde a um senhor por quem eu passava todos os dias sem nunca sequer
ter cedido um sorriso. Senti o vento bagunçar meus cabelos rebeldes enquanto
virava a esquina da minha rua. Esqueci, por um momento, o peso do mundo nas
minhas costas. Eu vivi os detalhes. Só isso. Vivi os detalhes, e quis
valorizá-los.
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