Crônica: Momentos
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Costumava colecionar momentos em
palavras, filmagens, textos, lembranças. Mas, acima de tudo, costumava
colecionar fotos. Cada foto era uma risada, uma lágrima, uma situação, um
sentimento, uma sensação. Todas as amizades desperdiçadas, todos os amores
perdidos, todos os momentos despedaçados e corações partidos. A distância das
pessoas amadas já não a interessava mais. Cada registro era um tempo passado,
uma idade, uma maturidade. Colecionava amores, cores e sabores. Chorava, ria e
se emocionava. Acima de tudo: Sentia saudades.
A maioria das fotos ninguém nunca
tinha visto, as tirava só pra ela mesma. Recusava-se a mostrar pra qualquer
outra pessoa, era sagrado, um momento só dela. As espalhava pelo chão, fazia mosaicos,
brincava de contar histórias. Lembrava de momentos que nunca vão voltar. O
sabor salgado das lágrimas num aeroporto qualquer, a dor da despedida e o
alívio do reencontro. Tirava fotos surpresa dos amigos, sem eles perceberem e
ria das caras e bocas que arranjava com isso. Olhava as fotos com certo grupo
de colegas e via como despreocupados eram. Como o tempo a tinha feito bem de
certa maneira.
Havia certa serenidade em seu
olhar que há muito tempo tinha desaparecido, deixando seriedade no lugar. Um
olhar que brilhava acima das luzes artificiais de qualquer lugar. Lembrava até
mesmo de momentos tristes com certo carinho, os tratava como aprendizado. Ela
tinha amadurecido algumas idéias e muitas amizades. Tinha esquecido certas
dores, deixado elas para trás. Sorria lembrando-se de algumas piadas internas e
vergonhas passadas com seus amigos, algumas memórias pediam risadas que não podiam
ser contidas.
Em suas memórias não haviam
lágrimas, corações partidos, tristezas ou sofrimento. Só existiam momentos,
esses que passaram e deixaram cicatrizes que há muito deixaram de doer, apenas
ficando uma marca em seu coração. Um coração que agora estava leve como um
balão. Seus medos ainda a assustavam, mas ela já sabia como lidar e seguir em
frente depois de uma tempestade. As tempestades, essas sim a assustavam,
chegavam sem aviso prévio. Por vezes fracas, apenas uma garoa. Contudo algumas
chegavam com toda sua força derrubando tudo que havia pela frente, não havia muito
que fazer apenas tentar reconstruir tudo aos pouquinhos com o pouco da energia
que lhe havia restado.
Construía da melhor maneira que
podia, sem culpa, sem remorso. Algumas tristezas e pesares. Mas quando a tempestade
passava, e ficavam apenas seus restos, ela estava aliviada demais pra ligar, aliviada
demais pra poder reclamar ou olhar pra trás, só colocava seus tijolinhos, um em
cima do outro, sem pressa, avaliando cada metro quadrado. As vezes ela parava,
admirava sua destruição em redenção, cansada demais pra continuar. Mas sempre
voltava, achava energia em algum lugar no meio do caminho.
Ela buscava suas energias nesses
momentos, eles a deixavam com mais vontade de viver e sobreviver após uma
tempestade. Ver suas fotos deixavam-na feliz, pacífica, serena. Ela escondia
sua dor atrás de uma câmera, um papel, uma caneta e uma coleção de lápis de cor.
Controlava todo seu pavor de si mesma com desenhos de como gostaria de ser, relacionava
isso a quem ela era hoje. Todo dia ela se aproxima de seus objetivos, apesar de
nunca estar bom o suficiente. Ela convivia com isso, aprendia a lidar aos
poucos.
Suas fotos agora estavam
espalhadas, sua risada se espalhava pelo seu quarto. Ela estava feliz, em paz
consigo mesma. Reconstruiu tudo que podia até ali. Os momentos a provocavam
algo bom e tranquilo, algo que só o tempo a pode conceder. Os amigos que permaneceram podem até não ser pra sempre, mas são o suficiente por agora. Há serenidade no quarto, talvez haja serenidade até mesmo em sua vida. O que importa é: dentro dela existe a mais absoluta serenidade.
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